segunda-feira, novembro 05, 2007

Tribunais: vale a pena o esforço?

Razão tinha o Menezes Leitão quando disse que o CEJ forma debitadores de leis e de doutrina. Não se formam juízes, mas cria-se um género de seita no qual se faz uma lavagem cerebral e se diz "decorarás a lei e a doutrina vigente e debitá-la-ás diante de qualquer situação". De facto, é isto que se passa actualmente. Não posso confiar num juiz. Já sei o que dali vem e o que dali vem só podem ser duas coisas: algo sensivelmente justo, e algo extremamente injusto.
Desde que estou em Almada, pude assistir a várias coisas: o humor de um juiz não é importante. Importante é o juiz ir com a cara do arguido e, se tal não acontecer, resta ao arguido que o juiz vá com a cara do advogado que o defende. Se o juiz não for com a cara do arguido, nem com a do advogado, desculpem-me mas... o arguido está literalmente fodido! Seja inocente ou realmente culpado.
Há alguns meses assisti ao julgamento de uma colega e o seu arguido, apesar de ter assinado um documento na polícia a dizer que se recusava a fazer o teste de álcool, foi absolvido pelos motivos óbvios: muitos de nós sabemos como é que esses papeis (bem como os da constituição de arguido) são assinados: espetam-se duas ou três folhas para o indivíduo assinar, alega-se pressa e em alguns casos os polícias confrontam o arguido com a hipótese de duvidarem da seriedade dos polícias e, sem que por vezes se saiba bem o que se está a assinar, os tipos assinam declarações em como recusam a realização do teste de alcoolemia, passando a ser acusados de crime de desobediência, quando por vezes exigem à polícia a realização do teste de alcoolemia no hospital. Resultado: acusação por crime de desobediência, sem que por vezes se saiba bem o porquê. Naquele caso, o indivíduo em causa exigiu aos polícias a realização do teste no hospital porque não conseguia soprar no balão como consequência pelo facto de ser asmático. Não vou questionar a prova feita pela defesa, porque não me cabe a mim defender ou criticar colegas, mas tenho que confessar que a defesa podia ter sido melhor. A juíza engoliu a história do tipo, ficou a dúvida, e absolveu.
Um caso semelhante, em que a polícia espancou o indivíduo, teve que o levar ao hospital para receber tratamento e o indivíduo alegou que não conseguia soprar no balão porque mal conseguia falar depois do que a polícia lhe fez, mas que no hospital se mostrou disponível para fazer as análises ao sangue no hospital, teve o resultado inverso. De acordo com a polícia, o indivíduo não foi vítima de abusos de autoridade e, no estado em que estava, podia não se mexer, mas ainda conseguia respirar! Sorte a dele, pois se não conseguisse respirar teria o tribunal à perna por não poder estar presente no tribunal no dia seguinte todo partido, literalmente. Ninguém estranhou que o indivíduo só tivesse ferimentos da cintura para cima e sinais evidentes de espancamento. O que estranharam foi o indivíduo ter-se recusado a realizar o teste do álcool. Devia ter soprado no estado em que estava e no hospital ele devia ter insistido com o médico para realizar as análises. Como ainda teve forças para assinar um papel semelhante ao do indivíduo do parágrafo acima, não restam dúvidas que ele se recusou a realizar o teste de alcoolemia! No outro, existe um diz que disse que lança dúvidas para condenar. Neste, existe um diz que disse que lança dúvidas para absolver. Ora, neste último, em caso de dúvida, mais vale dizer que como assinou ele sabia o que fez, e toca de condenar. Sim, foi condenado, mas não foi o único. O advogado também foi "condenado" a receber menos honorários do que aqueles a que efectivamente teria direito por lei. Por mais que tenha sido feita referência às dúvidas que ficam e às contradições entre os testemunhos dos polícias, a pessoa em causa já sabia o que queria e toca de debitar doutrina, lei e pena. Páginas tantas, até nós já sabemos de cor o número da página, o parágrafo e o ano de edição de onde é extraído... o mesmo de sempre.
No processo imediatamente seguinte, a mesma pessoa dá a "terceira oportunidade" a um indivíduo para se poder recompor de diversos casos de furto e roubo, isto depois dele já ter estado preso. Deu-lhe trabalho comunitário pela terceira vez consecutiva, para ver se é desta que ele recupera do problema que tem. Foi com a cara do arguido, mas não foi com a cara do advogado, que é o mesmo do processo acima, senão não o teria voltado a "condenar" ao recebimento de menos honorários do que aqueles a que efectivamente teria direito por lei. Desta vez conseguiu ir mais longe: o advogado só recebe as migalhas que a lei lhe atribuir, quando o arguido um dia cumprir a sua pena e pagar as respectivas custas.
Não obstante tudo isto, e depois de fazer o requerimento exigido por lei para que os arguidos paguem as multas respectivas em prestações, o advogado recebe no seu escritório uma carta do tribunal a indeferir o pedido de pagamento a prestações porque não se anexou comprovativo dos rendimentos dos condenados, nem gastos mensais que estes têm. Tudo isto surge depois de se considerarem como provados os valores que os condenados invocaram na audiência de julgamento. Ou seja, aquilo que se fez prova uma vez, tem que se fazer prova novamente. Não faz sentido mas... juiz é juiz. Lá tiveram que dar entrada requerimentos a pedir que se atribuam os honorários devidos ao Mandatário e a explicar o porquê de não se poder indeferir aquele pedido.
Nova audiência de julgamento. Por mais latim e doutrina que o advogado debite, e por mais que recorra a jurisprudência, se o juiz não vai com a cara do arguido, nem com a do advogado, acabou-se a festa e o juiz dá atenção ao MP. É por isso que muitos aconselham os seus arguidos a entrarem na sala de audiências sem brincos, com uma roupa minimamente normal, etc. É tudo uma questão de imagem.
O tipo foi incitado pelo advogado a confessar a verdade, a dizer o que o motivou a praticar o crime, a pedir perdão, e o tipo até era primário. Tendo em conta tudo o que foi confessado, a forma como foi confessado e os fundamentos expostos pelo advogado, tudo apontava para a possibilidade de uma simples admoestação. Os requisitos estavam todos preenchidos. Pois bem, o MP pediu pena de multa com realização de trabalho comunitário, e foi isso que aconteceu. Os requisitos da admoestação estavam todos preenchidos! Mas não. Pena de multa com realização de trabalho comunitário.
Há umas semanas um tipo acusado de pedofilia foi condenado em 3 anos e 10 meses de pena efectiva, sendo que durante meses andou à solta e a vítima teve que ficar fechada numa instituição para impedir que o criminoso tivesse acesso a ela. Ora, isto faz sentido?! A vítima é presa e o criminoso fica solto? Para espanto de todos naquele tribunal, o MP propõe 5 anos de prisão com pena suspensa! Raios, afinal o MP é o acusador ou a defesa? Os factos estão provados, o tipo molestou uma criança de 9 anos e o MP propõe pena suspensa?! Está tudo louco?!
Posso ficar aqui a noite toda a dar exemplos de casos em que uma pena menor, ou mesmo a absolvição devem ser aplicadas, mas o juiz gosta de deixar a sua marca quer no arguido, quer no advogado, e outros em que pena mais grave se exige e o juiz e/ou o MP, têm pena e condenam em penas leves.
Pergunto: vale a pena o esforço do advogado? Dediquemo-nos todos a levar os nossos arguidos a Sephoras, e outras lojas onde fazem maquilhagem, e a produzir os tipos de forma a agradarem aos juízes. Aproveitemos e tratemos de frequentar esses mesmos sítios também, para podermos agradar aos juízes e ver se nos passam uma nota de honorários minimamente digna da mão-de-obra qualificada que somos, ou até mesmo os funcionários judiciais que demoram anos a emitir uma nota de honorários!
Para quê esforçarmo-nos? É tudo uma questão de imagem. Vamos apostar nela e esperar que os juízes continuem a debitar a sua doutrina do costume, e benzendo-nos de cada vez que dermos entrada numa sala de tribunal. Pedir justiça ou tentar fazer uma defesa como deve ser, é precisamente igual! Alea jacta est! Seja o que Deus quiser! Afinal, não depende de mim, nem do arguido, o resultado da sentença. Por mais que se prove a inocência ou a culpa de alguém, se o juiz quiser pode ignorar tudo isso. "O advogado se quiser que recorra", é o pensamento comum. E assim se faz jus ao artigo 20.º da nossa Constituição.

1 comentário:

Pinokio disse...

Bem vindo ao mundo real daquilo que se passa em Portugal.